"Ouve apenas superficialmente o que digo
e da falta de sentido nascerá um sentido
como de mim nasce inexplicavelmente vida alta e leve"
C. Lispector

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Tentando


Formas literárias. Thanks, Ronaldo.


O medo assombrando os pensamentos dela. O encontro de olhares enfim acontece. Ele, misterioso, aproxima-se. Ela, gélida, treme diante do inesperado. “Oi” – Prólogo inútil e sem emoção.

- Bom dia! – diz ele, procurando palavras que não entreguem seus reais sentimentos.

- Bom dia. Ah, parabéns pelo concurso. Tchau. – fugir é tudo que ela precisa não o que realmente quer.

Ele segura- lhe o braço, olha de baixo a cima e para centrado em seus olhos. – naquela luz, de um doce mel, que faz perder qualquer intenção de sobriedade.

- Não vá! – balbucia, quase soletrando, fazendo durar o momento, suplicando secretamente que ela não seja tão intransigente – como ele próprio foi - às suas investidas.

“Tem! Que! Haver! Uma! Porta! De! Saíííííííííííída!” Pensa ela, copiando aquele sentimento de que leu recentemente de uma tal Clarice, temida por seus jovens amigos. Abaixa seus olhos:

- Faz-me um favor? SAI DA MINHA VIDA!

O desejo viril vence sempre o brio, diante de palavras tão amarguradas e sofridas. Sem soltar aquela pele macia, acariciando-a enquanto desce até as mãos, e as entrelaça, confrontando todos os esforços ocultos dela. De não deixar-se fragilizar, até por querer a tanto tempo e agora, orgulhosa, precisando não sentir nada. Segura a cintura, puxa-a para si. Ela, involuntária, absorvida no não deixar-se. Mas já deixara. O punho fechado pousa no ombro dele. “Eu preciso sair daqui!” A lágrima desce. O sorriso dele hipnotiza. Os corpos se aquecem juntos como um e lábios tocando-se lentamente. Um súbito lampejo de consciência.

- Já conseguiu o que quis, agora, suma daqui. Depois de tudo, eu coloquei uma coisa na minha cabeça: Eu não quero olhar pra você, pensar em você ao menos ouvir o doce som da sua voz. Mesmo que venha com o número da Mega Sena, eu não vou querer ouvir.

Aquelas palavras conhecidas soltaram fios de pura dor em ambos tão feridos.

- Você... Ainda me ama. – Ele, sempre dizendo o errado. “Será que ele não percebe que isso não faz diferença?”

Instigada, libera algumas daquelas palavras, engolidas nos meses de silêncio.

- Como pode fazer isso? Como pode fingir que nada aconteceu? Pelo menos algo de útil eu pude aprender. Você não sabe, ao menos compreende o que significa amizade. De que vale a pena lutar por você, se nunca será capaz de amar autenticamente? Espero que um dia você olhe para os lados e veja o quão sozinho e infeliz se tornou por não permitir que ninguém que se importa de verdade se aproxime de você. O quê acha que sou para aceitar facilmente suas vontades? Aprenda que o mundo dá voltas e não vale à pena magoar ninguém, porque não se negocia felicidade. Nem todo amor é incondicional e todos são incomensuráveis. Não vou ser hipócrita. É lógico que ainda gosto de você, e sou idiota por isso, mas esse sentimento não vai fazer com que seja mais fácil se aproximar de mim. Pelo contrário, cada vez mais percebo que o melhor não é você. E se você sente alguma consideração por mim, vai sair da minha frente e nunca mais vai cruzar o meu caminho.

Ela queria falar mais, contudo, nada mais saía, sentia somente uma onda nauseante de frustração.

- Perdoa-me? Fui estúpido! Fiz o que achei ser o melhor. Fui egoísta e me arrependo muito. Dá-me somente uma chance de te fazer feliz?

- Eu – outra lágrima fria- perdôo. Mas, chance, não. Por favor, sai da minha vida!

- Nunca.

E nada mais foi dito. Nem precisava. O destino próprio encarrega-se da justiça divina. Todos merecem sofrer por amor. Nada mais soube deles desde então. Há aqueles que dizem que tudo não passou daquele verão.

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